A Pandemia da COVID-19 chegou inesperadamente, nos surpreendeu, rompeu com as nossas rotinas, desestabilizou as nossas seguranças, retirou-nos do conforto de dominar nossas escolhas mais simples, como de visitar pessoas conhecidas, reunir amigos e colegas de profissão e tantas outras atividades que dependiam do encontro de pessoas.
A dinâmica da fé e do contexto celebrativo também passou por transformações. A pandemia obrigou a Igreja, clérigos, agentes de pastoral, catequistas e lideranças, a aprenderem a manusear as ferramentas de tecnologia para a grande aventura de cultivar os laços da fé por meio das ondas da internet. Em inúmeras plataformas digitais e diante de uma inflação de informações simultâneas fomos desafiados a filtrar os conteúdos relativos à vivência coerente da fé cristã católica.
Diante da necessidade do isolamento preventivo à COVID-19, aprendemos a olhar o brilho que existe nos olhos das pessoas, quando o sorriso já estava oculto pelas máscaras. Descobrimos, mesmo que na dor, o quanto estamos interligados, conectados por diferentes fatores. A pandemia nos ensinou uma vez mais que somos criados para as relações humanas, estamos entrelaçados pela fraternidade a partir do dom da vida.
Estamos vivendo dias em que esperança cristã reacende a certeza de que o Senhor permanece conosco, caminha conosco (Lc 24,13-35). Fazendo uso das tecnologias digitais a Igreja se inseriu no cotidiano doméstico de forma inusitada e também preocupante. Foram os primeiros gestos de sair ao encontro das pessoas em meio à crise e o sofrimento.
O ambiente da virtualidade para sustentar a fé disparou um alerta. No âmbito das celebrações eucarísticas, percebemos o retorno da expressão “comunhão espiritual”, que desencadeia a necessidade da salutar compreensão do sacramento da Eucaristia, evitando o risco de um retorno acentuado para o devocionismo eucarístico em detrimento da teologia sacramental elaborada ao longo da história da Igreja.
As transmissões on line da missa foi um recurso encontrado para o momento preventivo do contágio do novo coronavírus, uma experiência eficaz, mas que impossibilitou a participação comunitária no momento ritual da Eucaristia, enquanto espaço real, corporal e presencial, de participação “ativa” como pediu o Concílio Vaticano II, por meio da Constituição dogmática Sacrossanctum Concilium:
É desejo ardente da mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa participação na celebração litúrgica que a própria natureza da liturgia exige e à qual o povo cristão, raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, tem direito e obrigação, por força do batismo (SC n. 14).[1]
Por participação ativa entendemos que “quem ama, faz sempre comunidade, nunca está sozinho” (Santa Teresa de Jesus). A virtualidade colocou em xeque a “participação ativa” dos fiéis, provocando a oscilação entre a presencialidade, como condição essencial da participação litúrgica, e o retorno do vivido no período pré-conciliar.
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A comunhão sacramental e o vínculo comunitário da fé
O contexto da pandemia reforçou o legado bíblico de que a vida deve ser sempre a nossa primeira e única escolha (Dt 31,19). Cuidar da vida é um dever, manter a chama da fé acesa e alimentá-la é uma atitude de consciência pessoal e comunitária. E diante disso, buscou-se alternativas para que famílias e comunidades mantivessem o hábito de realizar suas orações, mantendo o vínculo da fé, mediante a novidade das plataformas digitais.
Aos poucos, por meio das redes sociais, muitas ideias criativas surgiram no intuito de conectar as pessoas, desde seus ambientes domésticos, com toda a comunidade por ora em caráter virtual. O fator determinante desta conexão foi a presença e a centralidade da Palavra de Deus. Um legado da pandemia para a fé cristã é a aproximação das famílias com a Bíblia.
A experiência de fé se concretiza pelos sinais e elementos que ajudam a compreender o que está oculto nos gestos e ritos. Por meio do batismo, ato sacramental que insere e torna membro da Igreja, todos os fiéis participam ativamente dos atos litúrgicos, e não apenas acompanham (assistem) como se nada lhes dissesse a respeito.
Assim como o banho batismal regenera e congrega o corpo místico de Cristo, o ato de comer e de beber juntos é próprio da experiência de fé cristã. Portanto, a nova situação social trazida pela pandemia não pode nos tornar simples expectadores do ato eucarístico, uma vez que cada fiel é chamado a participar ativamente nas celebrações, ou seja, é motivado a escutar e a acolher a Palavra de Deus proclamada; impelido a responder com fé às verdades de Cristo e da Igreja; convidado a comungar das espécies do pão e do vinho.
Comer e beber juntos é um ato de relevância para a comunidade cristã. O alimento é fonte de vida: sem ele sucumbimos. Todos os povos com maior ou menor ênfase, em todas as épocas vivenciaram, vivenciam no ato de comer e beber juntos momentos de grande interação social.
A mesa é o lugar por excelência da reunião, tanto familiar como da comunidade de fé. A mesa aguça nossa memória, lembrando-nos da casa dos avós e dos tios, quando lá estava a mesa posta para a refeição: toalha bonita, a melhor que se tinha, comidas e bebidas que faziam nossos olhos brilhar e a boca salivar pelos gostos e sabores das comidas.
Também as Sagradas Escrituras revelam as sutilezas do sentar-se à mesa. No rito da Páscoa do Antigo Testamento está prescrito: “E amanhã, quando teu filho de perguntar: “O que significa isso?”, tu lhe responderás: “Com mão forte o Senhor nos tirou do Egito, da escravidão.” (Ex 13,14). Portanto, sentar-se à mesa para a partilha do pão é também um ato de alimentar a fé, recordar a ação de Deus em favor do povo. E alimentar com o pão material o mistério da fé invisível.
Comungar do pão é alimentar-se da fé do povo de Deus, com suas lutas e suas conquistas, suas dúvidas e também certezas da presença de Deus ao longo da história. A comunhão sacramental, portanto, é um ato presencial, único, pessoal. Mas será sempre uma comum união da fé pessoal que se sustenta na fé eclesial.
O ambiente da virtualidade para sustentar a fé disparou um alerta. No âmbito das celebrações eucarísticas, percebemos o retorno da expressão “comunhão espiritual”, que desencadeia a necessidade da salutar compreensão do sacramento da Eucaristia, evitando o risco de um retorno acentuado para o devocionismo eucarístico em detrimento da teologia sacramental elaborada ao longo da história da Igreja.
As transmissões on line da missa foi um recurso encontrado para o momento preventivo do contágio do novo coronavírus, uma experiência eficaz, mas que impossibilitou a participação comunitária no momento ritual da Eucaristia, enquanto espaço real, corporal e presencial, de participação “ativa” como pediu o Concílio Vaticano II, por meio da Constituição dogmática Sacrossanctum Concilium:
É desejo ardente da mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa participação na celebração litúrgica que a própria natureza da liturgia exige e à qual o povo cristão, raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, tem direito e obrigação, por força do batismo (SC n. 14).[1]
Por participação ativa entendemos que “quem ama, faz sempre comunidade, nunca está sozinho” (Santa Teresa de Jesus). A virtualidade colocou em xeque a “participação ativa” dos fiéis, provocando a oscilação entre a presencialidade, como condição essencial da participação litúrgica, e o retorno do vivido no período pré-conciliar.
A comunhão sacramental e o vínculo comunitário da fé
O contexto da pandemia reforçou o legado bíblico de que a vida deve ser sempre a nossa primeira e única escolha (Dt 31,19). Cuidar da vida é um dever, manter a chama da fé acesa e alimentá-la é uma atitude de consciência pessoal e comunitária. E diante disso, buscou-se alternativas para que famílias e comunidades mantivessem o hábito de realizar suas orações, mantendo o vínculo da fé, mediante a novidade das plataformas digitais.
Aos poucos, por meio das redes sociais, muitas ideias criativas surgiram no intuito de conectar as pessoas, desde seus ambientes domésticos, com toda a comunidade por ora em caráter virtual. O fator determinante desta conexão foi a presença e a centralidade da Palavra de Deus. Um legado da pandemia para a fé cristã é a aproximação das famílias com a Bíblia.
A experiência de fé se concretiza pelos sinais e elementos que ajudam a compreender o que está oculto nos gestos e ritos. Por meio do batismo, ato sacramental que insere e torna membro da Igreja, todos os fiéis participam ativamente dos atos litúrgicos, e não apenas acompanham (assistem) como se nada lhes dissesse a respeito.
Assim como o banho batismal regenera e congrega o corpo místico de Cristo, o ato de comer e de beber juntos é próprio da experiência de fé cristã. Portanto, a nova situação social trazida pela pandemia não pode nos tornar simples expectadores do ato eucarístico, uma vez que cada fiel é chamado a participar ativamente nas celebrações, ou seja, é motivado a escutar e a acolher a Palavra de Deus proclamada; impelido a responder com fé às verdades de Cristo e da Igreja; convidado a comungar das espécies do pão e do vinho.
Comer e beber juntos é um ato de relevância para a comunidade cristã. O alimento é fonte de vida: sem ele sucumbimos. Todos os povos com maior ou menor ênfase, em todas as épocas vivenciaram, vivenciam no ato de comer e beber juntos momentos de grande interação social.
A mesa é o lugar por excelência da reunião, tanto familiar como da comunidade de fé. A mesa aguça nossa memória, lembrando-nos da casa dos avós e dos tios, quando lá estava a mesa posta para a refeição: toalha bonita, a melhor que se tinha, comidas e bebidas que faziam nossos olhos brilhar e a boca salivar pelos gostos e sabores das comidas.
Também as Sagradas Escrituras revelam as sutilezas do sentar-se à mesa. No rito da Páscoa do Antigo Testamento está prescrito: “E amanhã, quando teu filho de perguntar: “O que significa isso?”, tu lhe responderás: “Com mão forte o Senhor nos tirou do Egito, da escravidão.” (Ex 13,14). Portanto, sentar-se à mesa para a partilha do pão é também um ato de alimentar a fé, recordar a ação de Deus em favor do povo. E alimentar com o pão material o mistério da fé invisível.
Comungar do pão é alimentar-se da fé do povo de Deus, com suas lutas e suas conquistas, suas dúvidas e também certezas da presença de Deus ao longo da história. A comunhão sacramental, portanto, é um ato presencial, único, pessoal. Mas será sempre uma comum união da fé pessoal que se sustenta na fé eclesial.
O tema da comunhão espiritual no contexto da pandemia
O tema da comunhão espiritual dos fiéis para a Igreja não é algo novo. Não irrompeu com o a realidade social desvelada pela pandemia do novo coronavírus. Trata-se de uma realidade que também teve sua gênese histórica e ganhou reflexão durante o tempo. Portanto, a reflexão aqui proposta é mínima diante do legado teológico que a Igreja possui.
Sabemos que por um longo período da história a participação no mistério salvífico da fé, sobretudo na liturgia eucarística, esteve reservada aos ministros ordenados e aos monges. Diante desta reserva, o povo era mero espectador do ato litúrgico e sua participação neste ato tinha como foco apenas em ver as sagradas espécies e na sua veneração. O preceito eucarístico se cumpria pelo ver a hóstia e comungar espiritualmente.
A catequese deste ato se dava em orientar para o significado desta participação como espectadores: a consequência de uma comunhão visual e espiritual se desdobraria em uma vida de fé coerente e na prática da esmola e dos exercícios das obras de caridade.
O Catecismo da Igreja Católica (nº 737) ensina sobre a digna virtude humana de estar em comunhão com Deus, formando o corpo místico de Cristo, por obra do Espírito Santo. Nesta intimidade de relação e comunhão a pessoa humana alcança sua realização. E, pela fé da Igreja, isso se dá de forma concreta na pessoa de Jesus Cristo, que a nós se oferece na Eucaristia, sob a forma das espécies do pão e do vinho. Por meio da comunhão com o corpo e sangue de Cristo, humano e divino se encontram. Humanidade e divindade comungam entre si.
O desejo humano de participar da mesa da Eucaristia para receber o corpo do Senhor é um ato de fé. A impossibilidade real e concreta de acesso à mesa eucarística de maneira presencial, por orientação da Igreja, se dará de forma espiritual. Essa depende de uma predisposição do fiel de sentar-se à mesa, que o fará unir-se a Cristo e à sua Igreja com forte desejo de receber o Senhor como graça e dom. E recebendo-o dessa forma, assume o compromisso de formar comunhão com os irmãos e irmãs.
Uma das presenças do Senhor Jesus na liturgia é a assembleia reunida, para rezar e cantar, louvar e bendizer a Deus pelas obras que realiza (SC 7). A missa transmitida nestes tempos de pandemia, valida-se pela escuta da Palavra de Deus e, por orientação do Magistério da Igreja, como possibilidade de estar em comunhão com a comunidade, mesmo na impossibilidade de receber o sacramento da Eucaristia presencialmente. Mas esta modalidade de presença remota não cumpre o preceito do que seja de fato a participação plena numa celebração eucarística. Toda ação litúrgica pede a interação e proximidade do corpo, de gestos, dos sinais e dos elementos visíveis que comunicam e permitem nosso acesso ao mistério da fé invisível.
Referindo-se ao sentido comunitário da celebração litúrgica, o Papa Francisco ensinou o seguinte em sua homilia do dia 17 de abril de 2020:
Esta familiaridade dos cristãos com o Senhor é sempre comunitária. Sim, é íntima, pessoal, mas em comunidade. Uma familiaridade sem comunidade, sem Pão, sem Igreja, sem povo, sem sacramentos, é perigosa. Pode-se tornar uma familiaridade – digamos – gnóstica, uma familiaridade só para mim, desligada do povo de Deus. A familiaridade dos apóstolos com o Senhor foi sempre comunitária, sempre à mesa, um sinal da comunidade. Sempre com o Sacramento, com o Pão.[2]
O tema da comunhão espiritual desdobra-se em três aspectos pastorais que precisam avançar na reflexão: o necessário acesso à participação ativa dos fiéis na liturgia, uma compreensão insuficiente da vivência do Sacramento e a possível acomodação diante da vida comunitária.
A liturgia é vida, transcende o momento ritual. No encontro vivo e real com Jesus, pelo sacramento e pela Palavra, aprendemos que o sacerdócio é serviço, e alcança seu significado pleno no compromisso de fé com a comunidade, na defesa da vida e na fraternidade com os mais pobres, sinal excelso da comunhão.
Ariél Philippi Machado é catequista na Arquidiocese de Florianópolis (SC), membro da Rede Lumen de Catequese, Teólogo e Especialista em Catequese – Iniciação à Vida Cristã.
Tânia Regina Antunes de Souza é secretária da Comissão Regional de Liturgia do Regional Sul IV da CNBB, Historiadora e Especialista em Catequese – Iniciação à Vida Cristã.
[1] Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html. Acesso em: 26 de outubro de 2021.
[2] Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/cotidie/2020/documents/papa-francesco-cotidie_20200417_lafamiliarita-conil-signore.html. Acesso em: 20 de outubro de 2021.
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