A Liturgia é Missão: serviço a Deus e aos irmãos e irmãs
Neste ano de 2022, o mês missionário é orientado pelo tema “A Igreja é missão”, e animado pelo lema “Sereis minhas testemunhas” (At 1,8). A novidade cristã ao mundo, nos dias de Jesus de Nazaré, também em nossos dias, é o anúncio da presença de Deus em nosso meio, caminhando conosco nas alegrias, nas dificuldades, na dúvida e na esperança.
Com inspiração no tema do mês missionário, toda a ação celebrativo-litúrgica da Igreja nos convoca a novamente sermos testemunhas do Ressuscitado em uma Igreja toda missionária. A liturgia celebra uma verdade, um fato e uma novidade. Por isso, toda ação litúrgica da Igreja tem um caráter de anúncio (querigma) e uma dimensão missionária (mistagogia).
O conteúdo que a Igreja celebra é o Mistério Pascal, que em si mesmo é a fonte da missão, é o que move a comunidade.
Em toda ação litúrgica celebramos fazendo memória do Mistério Pascal de nosso Senhor Jesus Cristo. Esse mistério é em si mesmo a fonte de toda a missão, ele move a Igreja, em suas comunidades eclesiais, para a saída das salas, das sacristias e das estruturas para as ruas e lugares onde a novidade da fé cristã está ausente ou comprometida.
Em cada ato celebrativo, a fé da Igreja se renova. Com seus ritos a Igreja anuncia e celebra que Deus Pai entra na nossa história, revelando-se no Filho para “realizar a obra de nossa salvação” (CIgC, n. 1067), na força do Espírito Santo.
A finalidade da liturgia nos molda, toca nosso interior, transforma nossa mente e nosso coração. Nos ritos, símbolos, palavras e gestos, a liturgia mostra o rosto amoroso de Deus Pai, para encorajar a comunidade orante a assumir as opções e o próprio jeito de Jesus Cristo, sem deixar que os desejos humanos sejam mais evidentes que a brisa suave e o calor do Espírito Santo.
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Abraçando a fé que ressoa pela Palavra, uma “Igreja em saída” persevera na oração, na doutrina, na comunhão e no testemunho autêntico. A Igreja é missão quando está consciente da necessidade de uma resposta concreta ao que ouve em cada despedida: “Ide em paz, e o Senhor vos acompanhe”.
A força da expressão “Ide!” faz dilatar o coração para partilhar com todas as pessoas do caminho o alimento recebido na mesa da Palavra e da Eucaristia. A “saída missionária” de uma Igreja pobre e pelos pobres exige renunciar à comodidade para fazer chegar a todos aqueles que precisam da luz do evangelho, porque é o Senhor quem nos acompanha.
A Sacrosanctum Concilium e o impulso missionário
O Concílio Vaticano II promulgou a primeira de suas Constituições justamente sobre o tema da Sagrada Liturgia para recuperar a centralidade do Mistério Pascal de Cristo. A Constituição Apostólica Sacrosanctum Concilium afirma: “A Liturgia contribui para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo” (SC, n. 2). Como consequência desta reforma, destaca-se a necessidade de formação permanente do clero e dos cristãos leigos e leigas para que seja cumprido também o propósito da participação ativa nas celebrações, incluindo-se aí o uso da língua oficial de cada região.
Neste sentido, a reforma da Liturgia emanada do Concílio Vaticano II é guiada pelo espírito missionário. Pela ação litúrgica, somos enviados para testemunhar a fé, pois com a mediação da celebração dos mistérios, “nos foi dada esta graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo” (Ef 3,8).
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Também ensina a Constituição Sacrosanctum Concilium que “a Liturgia é simultaneamente o cume para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde emana toda a sua força” (SC, n. 10). Esta orientação mostra que a dimensão missionária tem dupla função, fazendo a Igreja encontrar na celebração do Mistério Pascal a sua força e orientação para a ação, e ter como sentido e lugar de chegada o próprio mistério de Cristo.
Utilizando de figuras de linguagem, os padres conciliares remetem a duas ideias “cume e fonte”, onde a Igreja quer chegar e onde ela mesma se sacia. A liturgia será sempre o lugar por excelência que se quer chegar (cume) para matar a saudade e saciar a sede de água viva. Para chegar ao “cume” é preciso estar preparado, motivado, tomado por algo que ainda não nos foi totalmente revelado.
A Desiderio Desideravi e o desejo da saída em missão
No dia 29 de junho de 2022, Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, o Papa Francisco publicou para todo o povo cristão a Carta Apostólica Desiderio Desideravi, cuja tradução indica um “desejo ardente” que tem o Senhor de permanecer e estar conosco.
Com esta Carta Apostólica, o Papa Francisco recorda que a Igreja assume e transmite esse mesmo desejo ardente por meio da sua ação celebrativa, que se dá na obra da Sagrada Liturgia.
A Carta Desiderio Desideravi dá indicativos de como a Liturgia colabora para a Igreja em saída missionária. O primeiro indicativo está na ação da própria Igreja em compreender o divino envolvido e presente nos sinais sacramentais, e comunicá-los ao mundo por meio de símbolos, gestos, sinais e palavras.
Ainda hoje somos “atraídos” e “convidados” para saciar “cada homem de toda tribo, língua, povo e nação” (DD, n. 4) do desejo de Deus que traz em si. A alegria missionária que se revela na beleza da própria liturgia é alimento e sustento para o testemunho da fé no cotidiano.
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Afirma o Papa Francisco: “A Liturgia não nos deixa sozinhos na busca de presumido conhecimento individual do mistério de Deus, mas nos leva pela mão, juntos, como assembleia. Faz isso em coerência com o agir de Deus, seguindo o caminho da Encarnação” (DD, n. 19).
Esse ensinamento de que a Liturgia não é ação individual, intimista e subjetivista precisa ser recuperado com urgência por meio da formação de nossas lideranças. E que seja garantido o entendimento de que a Liturgia é caminho ao mistério de Deus que nos tira da morte e conduz à vida. “A Liturgia nada tem a ver com um moralismo ascético: é o dom da Páscoa do Senhor que, acolhido com docilidade, faz nova a nossa vida” (DD, n. 20).
As palavras do Papa Francisco fazem ecoar o desejo de uma Igreja em saída, uma Igreja toda missionária que, evangelizada pelo seu Senhor, evangeliza no cotidiano com atitudes que transmitam a alegria da manhã da Páscoa.
Os ritos, que celebramos em toda a ação litúrgica, aquecem o coração e preparam para assumir no mundo a grande missão, no serviço aos irmãos e irmãs. A dimensão missionária da liturgia possibilita a experiência na prática do que o Catecismo define a Liturgia como “um grande serviço em que o próprio povo é parte constitutiva da obra de Deus, não apenas nos atos celebrativos da Igreja, também no anúncio e nas obras de caridade” (CIgC, n. 1069).
Ariél Philippi Machado – Catequista na Arquidiocese de Florianópolis (SC), membro da Rede Lumen de Catequese, Teólogo e Especialista em Catequese – Iniciação à Vida Cristã
Tânia Regina de Souza Antunes – Membro da Comissão Pastoral para Liturgia CNBB Regional Sul 4, Historiadora e Especialista em Catequese – Iniciação à Vida Cristã