A inspiração e a verdade da Bíblia na catequese
A leitura da Palavra de Deus encontra um limitador que é a condição humana do leitor. Por outro lado, a inspiração divina foi direcionada aos escritores das Sagradas Escrituras de forma que pudessem ser compreendidas pela humanidade. Isso quer dizer que, sendo Deus o Autor das Sagradas Escrituras, houve o cuidado de Se fazer entender. Conscientes dessa condição da limitação humana, a leitura da Bíblia deve observar três critérios estabelecidos no Concílio Vaticano II, que são: a unidade de toda a Escritura, a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé. Experimentar esses critérios nos encontros de catequese significa entregar ao catequizando as ferramentas para uma verdadeira compreensão da Palavra de Deus.
Em um recente encontro com meus catequizandos ouvíamos a música “Filho de Davi”, de Tony Allysson, em que o refrão diz “Jesus, filho de Davi, me cura”. A emoção e inspiração transmitida por essa música só é integralmente vivida por quem compreendeu a unidade de toda a Escritura mencionada na Constituição Dogmática, Dei Verbum, do já mencionado Concilio Vaticano II. Ao ouvir essa canção é bom conhecer o clamor do cego Bartimeu[1], mas é melhor entender que ao chamar Jesus de “Filho de Davi”, o cego reconhece Nele o Messias, Aquele no qual se cumpriu a promessa de Deus a Davi, de que “teu trono será estável para sempre”[2]; em Quem se cumpriu a profecia de que o Messias nascerá “para que se estenda o poder numa paz sem-fim sobre o trono de Davi e sobre seu reino”[3]. É bom saber que o Evangelho segundo Mateus começa com a “lista dos antepassados de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão”[4], que o anjo enviado à José lhe chama de “José, filho de Davi”[5] e que na saudação de São Paulo aos Romanos é relembrado que Jesus é Filho de Deus e “nascido da estirpe de Davi segundo a carne”[6].
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A unidade das Sagradas Escrituras quer dizer que não se está falando de textos soltos, trechos isolados ou mensagens dispersas. Há um caminhar para o anúncio da Boa Nova de Deus. E esse caminho é percorrido pela Igreja há mais de dois mil anos de inspiração, estudo, oração e reflexão, o que nos direciona para o segundo critério: a Tradição viva da Igreja. O Código de Direito Canônico, ao tratar do dever da Igreja de ensinar, dispõe que “deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição” (Cân. 750, §1). O Catecismo da Igreja Católica esclarece que “A Tradição de que falamos aqui é a que vem dos Apóstolos. Ela transmite o que estes receberam do ensino e do exemplo de Jesus e aprenderam pelo Espírito Santo” (83) e acrescenta que “A Tradição sagrada e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e compenetradas entre si” (80). Portanto, amigo catequista, transmita aos teus catequizandos o hábito de ler a Bíblia e de também ouvir a Igreja, através das palavras do Papa, dos Bispos, dos padres e, por que não, das nossas palavras de catequista (quanta responsabilidade!).
E, por fim, é preciso observar o critério da analogia da fé, sem a qual a leitura da Bíblia se torna como de qualquer outro livro. O Papa Bento XVI nos ensina que “O estudo científico dos textos sagrados é importante, mas sozinho não é suficiente porque diria respeito apenas à dimensão humana. Para respeitar a coerência da fé da Igreja o exegeta católico deve prestar atenção à compreensão da Palavra de Deus nestes textos, no âmbito da mesma fé da Igreja. Na falta deste imprescindível ponto de referência a busca exegética permaneceria incompleta, perdendo de vista a sua finalidade principal, com o perigo de ser reduzida a uma leitura puramente literária, na qual o verdadeiro Autor Deus já não comparece”. O exegeta, mencionado pelo Pontífice, é aquele que faz a interpretação ou explicação crítica de um texto religioso. É com essa particularidade que a leitura da Bíblia deve ser transmitida aos catequizandos.
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Caros colegas catequistas, a missão evangelizadora é desafiadora, pois contrapõem a limitação humana com a verdadeira compreensão das Sagradas Escrituras. Por isso, no âmbito espiritual, a oração e a inspiração pela presença do Espírito Santo são tão fundamentais. Nas questões práticas, a constante leitura da Bíblia, a participação em encontros e formações e a atenção às homilias se reúnem para permitir ao cristão caminhar para uma compreensão cada vez mais próxima da Palavra de Deus. Que essa compreensão seja alcançada, para que em nossa missão catequética, possamos transmiti-la com autenticidade. Que assim seja!
Luís Gustavo Conde – Catequista na Catedral Metropolitana de São Sebastião, na Arquidiocese de Ribeirão Preto (SP), atuando na evangelização de jovens e adultos. Autor de artigos para o Portal de Formação da Canção Nova e articulista da Revista Paróquias. Advogado e professor de cursos técnicos profissionalizantes. Marido da Patrícia e pai do Oliver.
CITAÇÕES DO TEXTO BÍBLICO
[1] (Mc 10, 46-52); [2] (2Sm 7, 16); [3] (Is 9, 5-6); [4] (Mt 1, 1); [5] (Mt 1, 20); [6] (Rm 1, 3).
REFERÊNCIAS
BENTO XVI. Discurso aos participantes da plenária da Pontifícia Comissão Bíblica. Vaticano, 23 abr. 2009.
BÍBLIA DE APARECIDA. Bíblia online da Editora Santuário.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. In textos fundamentais. Arquivo do Vaticano.
CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Conferência Episcopal Portuguesa. Lisboa, 1983.
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina. Roma, 18 nov. 1965
