A Bíblia na catequese deve ser colocada como o centro, mas como devo usá-la em meus encontros?
O documento 26 da CNBB de 1983, propõe em seu item 87 que:
“87 – A Catequese tem, entre suas tarefas fundamentais, a entrega do Evangelho. Ela deve abrir ao catequizando o livro da Sagrada Escritura, que tem por centro o Evangelho. Assim, a Catequese é a verdadeira introdução à leitura da Escritura(…).”
Partindo desse princípio, é essencial que o catequista fique atento as seguintes questões:
- Que se respeite a interação Fé e vida, ou seja, que a criança, o adolescente, o jovem e o adulto, aprendam a ler a Bíblia a partir da vida e em função dela. É preciso trabalhar a Bíblia atualizando seu conteúdo com a vida de cada um e o contexto em que a comunidade vive. A Bíblia precisa provocar reflexão e oração a partir da vida. O catequista precisa ter uma boa formação Bíblica para não fazer uma leitura fundamentalista, ou seja, ler tudo ao pé da letra e dar sua própria interpretação dos fatos.
- O catequista deve reconhecer suas limitações: Nem tudo é do conhecimento do catequista e os catequizandos podem perguntar algo que não seja do seu domínio. Melhor dizer que não sabe do que “enrolar” com respostas que, amanhã ou depois, o catequizando descubra estarem erradas.
- Que não se faça “aula sobre Bíblia”, mas, que se deixe ela mesma (a Bíblia) comunicar a Palavra.
Como devo escolher os textos bíblicos?
Existem diversos critérios para se escolher um texto bíblico que ilumine um encontro. No entanto, duas questões básicas precisam ser observadas na utilização da Bíblia na catequese:
- Iluminar o tema com a Palavra: não escolho uma passagem para então falar de um tema, primeiro, escolho o tema e aí busco “iluminação” na Palavra;
- Observar a gradualidade, ou seja, tudo se dá no tempo certo e é preciso que os catequizandos, sejam respeitados na sua maturidade e no seu tempo de aprendizagem.
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Observadas estas questões vêm na sequência:
- O linguajar do texto: verificar as palavras difíceis, fora do contexto da linguagem cotidiana dos catequizandos. Elas precisam ser substituídas por outras de fácil compreensão. Ter bem clara a mensagem que queremos transmitir, a atitude evangélica que queremos despertar;
- A experiência de vida do catequizando: Levar em conta o perfil do catequizando: se é criança, jovem ou adulto, qual sua situação de vida, sua cultura, suas experiências. Cada grupo é diferente, como também cada catequizando tem suas próprias experiências. Devemos estar atentos e saber escutar o que eles nos dizem a respeito da sua própria realidade.
- A maturidade na fé: é importante não esquecer que a criança, o adolescente, o jovem, o adulto, estão num processo de iniciação a vida de fé. É preciso ir devagar, não podemos usar textos que ainda não estão à altura dos catequizandos, que são difíceis demais. A criança evolui, passa de uma mentalidade mágica para outra cada vez mais concreta, crítica, feita de curiosidade e indagação. A leitura Bíblica também terá que evoluir;
- Verificar as prioridades do momento: Nem tudo é para “hoje”, alguns temas precisam ser aprofundados em detrimento de outros. A catequese não é só uma fase da vida, ela é para a vida toda.
Como, então, fazer uma catequese Bíblica?
Procurar os meios, as técnicas que podem proporcionar uma melhor assimilação da mensagem, observando que, somente se o catequizando conseguir observar na sua vivência concreta, aquilo que lê no Evangelho, vai refletir e assimilar esta mensagem.
Atente-se as idades!
Quando o trabalho é realizado com crianças, muitas vezes o tema proposto está longe da realidade dela. A criança pequena precisa sentir a “presença” segura e amorosa de Deus, sem atentar-se às reflexões teológicas. É importante experimentar o silêncio, a admiração já tão natural para ela. A criança, facilmente, chega a admirar e escutar Deus, quando há alguém que a toma pela mão. Gosta de rezar pequenos trechos dos salmos com expressão corporal e gestos.
Podemos fazê-la sentir a importância do Livro Sagrado mediante uma pequena procissão, tratando com respeito a Bíblia. Já podemos contar alguns fatos da vida de Jesus, mas o Primeiro Testamento ainda não deve ser abordado. Muitas vezes, são contadas às crianças as narrações dos primeiros capítulos do Livro de Gênesis, justamente por serem “fantásticas”. Muitas vezes são apresentadas do ângulo de um Deus que castiga e quer pôr fim à humanidade. Tais narrações foram escritas para adultos a fim de mostrar que a infidelidade à Aliança traz suas consequências para a humanidade. A criança ainda não chegou a essa experiência. Pode ficar amedrontada. Não apresentemos nunca o Deus que castiga. Não é a mensagem para a criança pequena.
Principais características das idades:
Primeira Infância: 7-8 anos
- Nesta fase a criança ainda é muito concentrada no seu “eu”: sente enorme necessidade de estima, de amor; aberta à contemplação, à admiração; gosta de ouvir o silêncio; aprecia símbolos, a expressão corporal, os bichos, tudo o que é vida; gosta de saber fazer as coisas, de rir e brincar, de aprender e decorar.
- Quanto à imagem de Deus, prevalece a imagem do Deus grande, forte, que tudo sabe e pode, justo, santo, bom: do Deus da criação e dos milagres. É o Deus semelhante aos seus pais, as figuras que admira e imita.
- A criança está na fase de alfabetização: boa ocasião para apresentar-lhe a Bíblia como livro bonito, importante, que os homens apreciam mais que qualquer outro. Pode-se contar como é que ela apareceu na vida do povo, como ela continua sendo importante para as pessoas aprenderem a resolver seus problemas. Usar cartazes, desenhos, expressão corporal. Deixe que as crianças vejam, toquem, perguntem, deem palpite, façam.
- Conte histórias de enredo curto, mantendo a tensão até o fim, narrativas simples, distinguindo claramente entre o bem e o mal. Evitar preconceitos a respeito de pessoas e tipos. O sofrimento e o mal, podem e devem ser abordados, mas de modo a inspirar confiança; a história terminará com a vitória do bem.
- Cuidado com os aspectos chocantes da mentalidade infantil: histórias como a de Herodes (matança de bebês), de Caim (que mata o irmão), os pormenores da paixão de Jesus e outros textos semelhantes, são traumatizantes nesta idade. Enfim, narrativas bíblicas que impressionam negativamente a criança e amedrontam podem provocar antipatia pela Bíblia durante longos anos.
Sugestão de texto:
- Histórias da confiança de Abraão, da fé e perseverança de Zaqueu; principalmente falemos de Jesus, amigo dos pobres e pequenos; de suas atitudes; de sua oração, de seus amigos.
- Textos contemplativos: frases dos salmos e dos Evangelhos que exprimem alegria, louvor, agradecimento, confiança. Um salmo inteiro será cansativo demais, por isso, devemos escolher as frases mais falantes.
- Textos sapienciais: dois excelentes repertórios são o Livro dos Provérbios e o Eclesiástico (não confundir com Eclesiastes que é muito pesado para essa idade).
Segunda Infância: 9-10 anos
- Nesta fase a criança é mais ativa, ligando ao que está fora do seu universo interior: se interessa por aventuras, viagens, ação; gosta de ler, de estudar, de aprender; está mais socializada, o que lhe dá mais segurança; quer saber os porquês – se o fato aconteceu mesmo; quer coisas concretas (não está mais ligado à linguagem poética, lendas e fábulas).
- Tempo favorável para boas informações sobre o livro: como foi escrito, quando, por quem, para que, diversidade dos escritos; informações sobre o povo, a terra, os costumes; tempo de familiarizar-se com nomes e lugares da Bíblia; tempo de manusear a Bíblia: saber encontrar livro, capítulo e versículo; agora, mais que o desenho, serão apreciadas a montagem e a colagem de figuras; a expressão corporal será substituída pela encenação – não mera repetição do texto, mas a sua atualização.
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Sugestão de textos:
- Deverão ser concretos, movimentados. Boa ocasião para aprofundar a vida adulta de Jesus. Nos Atos encontraremos bons textos sobre comunidades primitivas.
- Fala-se de Deus criador, da sua grandeza, conforme a Bíblia nos fala, mas sem usar a linguagem simbólica própria do Gênesis 1 e 2. Esses textos são difíceis para essa idade. Eles exigem uma boa formação do catequista também. Mas, são textos para serem usados com os jovens e não com crianças. Por enquanto, fala-se de Deus criador sem usar esses textos.
- Os relatos de milagres e as parábolas de Jesus, ao contrário do que em geral se pensa, não são os mais indicados. A criança pode ficar com uma imagem deturpada de Jesus, como se ele fosse um mágico, parecido com os dos desenhos da televisão. Os livros de catequese mais atualizados não usam essas narrativas.
Pré-adolescência: 11-12 anos
- Nesta fase o mundo infantil começa a ser esquecido, a criança questiona tudo. Surge a consciência das próprias limitações; há uma nova volta para o próprio “eu”; é a época dos grupos solidários; da imitação dos adultos. Devido a uma série de fatores, principalmente os meios de comunicação social, está fase tem começado antes dos 11 anos.
Sugestão de textos:
- Usar uma linha mais refletida, tomem-se as figuras de Jesus, Jeremias. Ainda não é tempo para anjos e demônios, lendas e insistência em milagres para não reforçar a mentalidade mágica, própria da idade.
Adolescência: 12-15 anos
- As características mais visíveis são a insegurança, a instabilidade e a aguda emotividade; retirada ao próprio mundo interior; a sensação de não ser compreendido e de sequer ser capaz de compreender; tempo de afirmação da própria personalidade; é contra todo autoritarismo; desconfia do adulto – mas precisa dele; idade de interesse pelo sexo e do amor; das cartas pessoais e dos diários íntimos (meninas); dos conflitos na família; de preocupação pelo futuro (vocação).
- Nas leituras, atenção especial ao aspecto afetivo, emotivo. Há muita identificação com personagens que se impõem por seu humanismo. Especial atenção despertam os profetas, por sua crítica às situações de injustiça ou de incoerência. São importantes os textos que encaram os mistérios da vida e seu sentido mais profundo; os que orientam a busca desse sentido, inclusive do ponto de vista da vocação (Mt 5,7).
Sugestão de textos:
- Usar unidades maiores: parábolas, pequenos livros como Jonas, Judite, Amós.
Final da adolescência: 15-19 anos
- Especial interesse pela experiência dos outros e com os outros: a consciência crítica faz com que se posicione diante dos males e das contradições do mundo.
- Nas leituras, tempo de tomar textos mais difíceis, profundos. Pode-se abordar qualquer texto Bíblico. Será bom proporcionar uma visão de conjunto da Bíblia, colocando os problemas com que a Bíblia nos quer confrontar.
Sugestão de textos:
- Gênesis 1-11, visto como reflexão sobre o nosso hoje (o homem no mundo; problemas de relacionamento, pecado e salvação);
- Narrativas de milagres;
- Jó, Eclesiastes, Evangelho de Marcos, Cartas de São Paulo (1Cor).
Vale a pena chamar a atenção também para a Linguagem da Bíblia. Descobrir a linguagem como parte de um conjunto, como sintoma de uma situação e, ao mesmo tempo, instrumento, seja de opressão ou de libertação. Aqui as narrativas bíblicas podem ser compreendidas dentro do contexto em que foram escritas.
Tome cuidado!
- Não usar a Bíblia só por curiosidade, passatempo piedoso e conhecimento histórico, sem entrar na dinâmica do povo que a escreveu e na da nossa comunidade.
- Não se usa a Bíblia para admoestar crianças e adultos em nome de Deus. A obediência a fé é outra coisa.
- Cada frase da Bíblia está dentro de um contexto. Não se deve “pescar” frases aqui e lá, isoladas do seu contexto para impor uma ideia, um pensamento.
- Na Bíblia o único herói é Deus. Cuidado para não elevar certos personagens à dimensão de super-homens, sem defeitos. Mesmo Jesus, o verbo feito carne, viveu como um homem, sujeito às dores e alegrias da humanidade.
- O único jeito de ler a Bíblia que a Igreja condena é a leitura fundamentalista, que lê tudo ao “pé da letra”; quando aparece algo estranho, incompreensível, invoca-se o poder do Espírito Santo e pronto.
Com informações de Catequistas em Formação
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